segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Quero ser livro

Quero ser livro para sentir-me um organismo atômico no universo e assim dividir-me em dois causando uma imensa explosão
Quero ser livro para mordiscar o grande cogumelo desta mesma explosão
Quero ser livro para cravar minhas duas patas em terra firme não abrindo mão - anti-evolutivamente  - de portar minhas nadadeiras
Quero ser livro para vestir minha máscara de indigente escondendo minha pele insegura de condição humana
Quero ser livro para assumir meus atributos e desejos mais perversos a fim de incomodar meus inimigos e amores
Quero ser livro para optar ser escravo de meu próprio sistema ante ser patrão do sistema de outrem
Quero ser livro para convidar a morte e a solidão prum chá em minha casa
Quero ser livro para dormir nu provocando assim sonhos mais eróticos
Quero ser livro para consumir bobagens pois em certos momentos são elas que representam significância
Quero ser livro para me sentir seguro no mistério e inseguro nas certezas
Quero ser livro para considerar mais a guerra do que a paz, o conflito do que a justiça, a senilidade do que a senescência
Quero ser livro para desconfiar da perfeição
Quero ser livro para esburacar estradas a fim de aumentar o atrito dos veículos e a sensação do ato sexual
Quero ser livro para entortar a linha do horizonte quando me apetecesse
Quero ser livro para crer em monstros de baixo da cama e descobrir que se escondem do monstro que somos
Quero ser livro para transformar velório em festa e sacralizar o que é profano
Quero ser livro para não esperar nada de ninguém. De podar raízes, entretanto cultivar tradições
Quero ser livro para inventar verdades para cada estrela do céu
Quero ser livro para subverter o curso natural dos ecossistemas
Quero ser livro para me calar mesmo que saiba respostas
Quero ser livro para viver mais no meu imaginário do que na realidade social
Quero ser livro para apreciar as reações das pessoas que pousam de paraquedas pela primeira vez
Quero ser livro para tratar com indiferença àquilo que não me cabe intervir
Quero ser livro para exercer messianismos com meus iguais
Quero ser livro para dar carinho a quem odeio
Quero ser livro para ter preguiça de existir nesse mundo e inventar outros
Quero ser livro para desejar materialmente aquilo que jogam fora e que não é mais tendência
Quero ser livro para ruminar antigas angústias, antigos anseios, antigas tragédias
Quero ser livro para me expôr de vísceras abertas a todos os perigos imagináveis e assim criar meus antídotos e meus anticorpos
Quero ser livro para assumir que, mesmo escritor, meus devaneios frutificam-se mais intensamente sem caneta e papel
Quero ser livro para ser esquecido no meio de um deserto
Quero ser livro para desacreditar da transcendência e me preocupar com a imanência
Quero ser livro para desconstruir tempo, espaço, memória e trajeto
Quero ser livro para me perder nas ruas não precisando assim pedir informações para onde devo ir
Quero ser livro para ser o primeiro a descobrir uma planta venenosa empiricamente
Quero ser livre.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

de um corpo só não se esconde


de que me escondo?
será que é do espelho, ou da ausencia da imagem?
é do sonho, ou da possivel premissa de que é realidade?
me escondo atrás do conforto da crítica ou da crítica do conforto?
preciso de um consolo, ou acelero meus passos antes que ele me surpreenda?
sofro pois aceitei a vida sofrida ou sofro por nao conseguir aceitá-la?
por que raios (ou pra que raios) (ou simplesmente por quem raios) me escondo?
me vejo escondido do resultado de que projeto, ou talvez do proprio projeto que resulta de mim?
me escondo atrás da linha de meu poema imaginando o monstro que talvez construa?
ou me escondo de mim enquanto o sofrimento do qual escolhi atua.
afinal, atrás de quem me escondo?
do conforto da inconstância ou do constante desconforto?
do corpo morto ou do corpo só?
que presunção tola. evidentemente minha vida é esconder-me do corpo só.
pois o próprio corpo só me impede de esconder-me.