“Toda
propriedade da linguagem sendo impossível, o escritor e o homem
privado (quando ele escreve) são condenados a variar desde
o início suas mensagens originais, e já que ela é fatal, escolher
a melhor conotação, aquela cujo aspecto indireto, por vezes
fortemente retorcido, deforma o menos possível, não o que eles
querem dizer mas o que eles querem dar a entender”.
Roland Barthes - Crítica e Verdade
Os
buracos negros estão negros demais e é frio, seco e escuro. Medo.
Poderia apenas gritar mas ninguém me compreenderia. O grito é de
uma outra natureza. Aglutinadora natureza que vem de fora pra dentro.
Sucção. Ilhado nesse mar de mortes. Maremortos. Obstinado a colorir
todo esse nada negro e sombrio. Num bolso uma lanterna sem pilhas, no
outro uma pistola com apenas uma bala. Disparo. Repare na produção
óptica do fogo em combustão. Ela é um instante e não revela nada
mais que a si própria. Se tivesse uma lanterna com pilhas, revelaria
tudo menos ela própria. E de
que adiantaria o uso desse
instrumento em um buraco negro, frio, seco e vazio? Deixe a lanterna
pros escavadores da verdade. Escava dores. O disparo é um recurso:
quem sabe do seu estampido alguém note minha presença e me salve?
Ou ao contrário, que um corpo infeliz receba essa bala no peito e me
peça ajuda? De um modo ou de outro dariam conta da presença.
Receberiam. Se afetariam. Reagiriam. Alguém haveria de estar a beira
da morte, ou eu ou o outro. Inexprimir o mistério, palavra-pouca.
Palavra à toa. Nada de misteriosa. Inexprimir
essa calada palavra morte. Morte. Qual seria sua segunda mensagem?
Como transfiguro o grito para o fora? Em
pazes com o mistério, suportando-o e produzindo-o na bala que vai se
conduzindo no peito próprio de quem agora me empresta a mão para me
puxar desse vazio. E assim, cúmplices não de um saber, mas de um
não-entendimento comum. Cumplicidade do
mesmo disparo. Da
mesma bala. De alguma salvação…