segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Não é a isso que conferimos suportáveis os grandes mistérios do mundo? Suportáveis pois

Toda propriedade da linguagem sendo impossível, o escritor e o homem privado (quando ele escreve) são condenados a variar desde o início suas mensagens originais, e já que ela é fatal, escolher a melhor conotação, aquela cujo aspecto indireto, por vezes fortemente retorcido, deforma o menos possível, não o que eles querem dizer mas o que eles querem dar a entender”.
Roland Barthes - Crítica e Verdade



Os buracos negros estão negros demais e é frio, seco e escuro. Medo. Poderia apenas gritar mas ninguém me compreenderia. O grito é de uma outra natureza. Aglutinadora natureza que vem de fora pra dentro. Sucção. Ilhado nesse mar de mortes. Maremortos. Obstinado a colorir todo esse nada negro e sombrio. Num bolso uma lanterna sem pilhas, no outro uma pistola com apenas uma bala. Disparo. Repare na produção óptica do fogo em combustão. Ela é um instante e não revela nada mais que a si própria. Se tivesse uma lanterna com pilhas, revelaria tudo menos ela própria. E de que adiantaria o uso desse instrumento em um buraco negro, frio, seco e vazio? Deixe a lanterna pros escavadores da verdade. Escava dores. O disparo é um recurso: quem sabe do seu estampido alguém note minha presença e me salve? Ou ao contrário, que um corpo infeliz receba essa bala no peito e me peça ajuda? De um modo ou de outro dariam conta da presença. Receberiam. Se afetariam. Reagiriam. Alguém haveria de estar a beira da morte, ou eu ou o outro. Inexprimir o mistério, palavra-pouca. Palavra à toa. Nada de misteriosa. Inexprimir essa calada palavra morte. Morte. Qual seria sua segunda mensagem? Como transfiguro o grito para o fora? Em pazes com o mistério, suportando-o e produzindo-o na bala que vai se conduzindo no peito próprio de quem agora me empresta a mão para me puxar desse vazio. E assim, cúmplices não de um saber, mas de um não-entendimento comum. Cumplicidade do mesmo disparo. Da mesma bala. De alguma salvação…

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